TILL THE LIGHTS GO OUT “Twilight, how gentle you are and how tender! The rosy lights that still linger on the horizon, like the last agony of the day under...
“Twilight, how gentle you are and how tender! The rosy lights that still linger on the horizon, like the last agony of the day under the conquering might of its night; the flaring candle flames that stain with dull red the last glories of the sunset; the heavy draperies that an invisible hand draws from the depths of the East, mimic all the complex feelings that war on one another in the heart of man in the solemn moments of life.”
—Charles Baudelaire¹
Every day, after sunset, the sky near the horizon acquires a plethora of tones between the blue of the day and the gradual absence of light until the darkness of night arrives. This twilight phenomenon, inspiring writers and artists across eras, provokes aesthetic experiences centered on the sensitive perception of colors and the contemplation of the natural spectacle of lights, which modify in the fugacity of the instant. It's necessary to be in the right place and at the right moment to contemplate the multiplicity of strokes in celestial pictorial layers that deconstruct before our eyes in a few minutes.
Throughout a year, artist Analize Nicolini photographed lights and colors between the sky and the sea during the twilight period at Leblon Beach. The process began by investigating luminous intensity through her window. An almost ritualistic routine was established for beach visits, ensuring homogeneous chromatic research without technical interference. Manual fine-tuning of the camera occurred only when the lens captured the same color intensity observed by her retinas. Once back home, confirmation that the digital image, when enlarged, passed through the color table established by the look of that fateful evening. Thus, she amassed over 4000 images recorded during a solar translation cycle, walking the path of repetition for the necessary determination of the experimental process.
In Claude Monet's "The Rouen Cathedral" series, he painted the same church in different lights at various times of the day, capturing the surprising transformation of its appearance. Monet introduced a new dimension of the momentary and sudden character into painting, akin to the characteristics of impressionist art and photography. Both share the portrayal of light through light itself. Impressionism aimed to synthesize modern art into a purely optical dimension. Art critic Meyer Schapiro argued that the reduction of impressionist interests to "purely visual" is a "cultural phenomenon and a choice" of the artists, akin to "action, religion, and myth."
Analize's poetic choice transcends the purely visual or formal aspect of portraying light. When she arrived in Rio de Janeiro three years ago, she realized that the beautiful landscapes were forged in the precariousness of the city, in the insurmountable abyss of social inequality. The beach, considered the most democratic public space, became the focus. Reproducing the lights around Dois Irmãos hill and Vidigal favela, she shared the same aesthetic experience of twilight with its residents, highlighting metaphorically significant contrasts in the colorful nuances of the everyday urban sky.
The beach, as the research location, a tourist attraction, and a city postcard, is another representative choice. Though paradoxical amidst the digital age, Analize shapes her poetic process in this shared place, reaffirming the need to bring art closer to the public. In this everyday landscape, the observer identifies the place as an immobile object, starting to experience the chromatic singularity of each moment, carefully captured by the artist. Here, the particularity of Analize pursues the creative luminosity of reflections and textures, transforming the circumstance almost into an abstraction.
Walter Benjamin's concern in "The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction" referred to photographic and graphic reproductions in the 1930s. Analize's work seems to rescue some remnant of aura by developing a detailed technical process in photographing itself. She despises, in a certain way, the camera's technological resources and chooses not to treat the images, tearing down technical barriers. Thus, she transforms photography into a mere means of materializing the experience of the gaze.
The poem quoted in the title of this text would be even more enchanting if the poet Charles Baudelaire had known Leblon Beach. It would translate into words the strength of our twilight with the mastery of he who identified 'the ephemeral pleasure of circumstance' in the early days of European modernity in the mid-19th century. In today's dark times, when the city exposes its wounds, Analize's invitation affectionately soothes the pains of the city. In the contemplation of this action, which is at the same time collective and profoundly particular, the visuality of the beautiful allows us to dream, in the fugacity of those few moments of lights and colors that tear the firmament, even knowing that everything will be quickly faded by night.
—Valesca Veiga
*Valesca Veiga is a journalist with a master’s degree in Social History of Culture, focusing on the History of Art and Architecture, from Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio.
¹ Baudelaire, Charles. Poems in Prose (Le spleen de Paris). Evening Twilight, s.d. Postmortem publication,1869. Translation by Arthur Symons. University of Toronto, 1913.
ATÉ O APAGAR DAS LUZES
“Crepúsculo, como sois doce e terno! Os clarões róseos que se arrastam ainda no horizonte, como a agonia do dia sob a opressão vitoriosa da sua noite, os fogos dos candelabros que criam manchas de um vermelho opaco sobre as últimas glórias do poente, os pesados cortinados que uma mão invisível atrai das profundezas do Oriente, imitam todos os sentimentos complicados que lutam no coração do homem nas horas solenes de sua vida.”
Charles Baudelaire1
Diariamente, após o pôr-do-sol, o céu próximo à linha do horizonte adquire um manancial de tons entre o azul do dia e a gradativa ausência de luz até a escuridão da noite. Este fenômeno crepuscular, que inspirou escritores e artistas de todas as épocas, provoca a experiência estética centrada na percepção sensível das cores, na contemplação do espetáculo natural de luzes que se modificam na fugacidade do instante. É preciso estar no lugar certo e no momento exato para contemplar a multiplicidade de pinceladas em camadas pictóricas celestiais que se desconstroem à frente de nossos olhos em poucos minutos.
Ao longo de 365 dias, a artista Analize Nicolini esteve nesta hora e neste lugar fotografando luzes e cores, entre o céu e o mar, no período crepuscular da Praia do Leblon. O processo se iniciava pela investigação da intensidade luminosa através de sua janela. A partir desse momento, uma rotina quase ritualística se estabelecia na ida à praia. Portando o mesmo equipamento, com a mesma lente desde a primeira foto, garantia que a pesquisa cromática fosse equânime, sem interferências técnicas. O ajuste fino manual da câmera só era finalizado quando a lente captava a mesma intensidade de cor flagrada por suas retinas. Na volta pra casa, a confirmação de que a imagem digital, ampliada, passara pelo crivo da tabela de cores estabelecida pelo olhar daquela tarde. E, assim, chegou a mais de 4000 imagens registradas durante todo um ciclo de translação solar, percorrendo o caminho da repetição para o necessário apuro do processo experimental.
Na série Catedral de Rouen, Claude Monet pintou a mesma igreja sobre diferentes luzes em diversos momentos do dia, captando a transformação surpreendente da aparência. Todo o movimento e mobilidade da imagem passavam à exterioridade, enquanto o objeto em si permanecia imóvel. Monet introduzia assim uma nova dimensão do caráter momentâneo e repentino na pintura. A arte impressionista e a fotografia compartilham algumas particularidades, entre elas a de retratar a luz por meio da própria luz. O Impressionismo foi considerado uma tentativa de síntese da arte moderna a uma dimensão meramente óptica. Sobre esta rotulação dada ao movimento, o crítico de arte Meyer Schapiro argumentou que a redução dos interesses impressionistas ao “puramente visual” seria um “fenômeno cultural e uma escolha” dos próprios artistas, assim como “a ação, a religião e o mito”.
A escolha poética de Analize tem carga simbólica que extrapola o aspecto meramente visual ou formal do trabalho de retratar a luz. Ao chegar ao Rio de Janeiro, há três anos, a artista que até então se dedicava à pintura, rapidamente percebeu que o belo paisagístico carioca “era forjado na precariedade da cidade”, no abismo intransponível da desigualdade social. Observou que a praia considerada, com ressalvas, o mais “democrático” dos espaços públicos, seria um dos poucos lugares em que as disparidades dilacerantes pareciam ser atenuadas. Escolheu reproduzir as luzes que circundam o Morro Dois Irmãos e a favela do Vidigal. Dali seus moradores compartilhavam a mesma vivência estética do crepúsculo com a fotógrafa do Leblon, com os contrastes metaforicamente significados nas nuanças coloridas do céu urbano de todos os dias.
A praia como lugar desta investigação, ponto turístico que chega a ser frequentado por milhares de pessoas em um único fim de semana, é outra escolha representativa. Local de entretenimento de massa e cartão postal da cidade, é um dos pontos mais fotografados no mundo virtual das redes sociais. Pode parecer paradoxal pautar uma produção experimental contemporânea através de uma fotografia calibrada manualmente, ao mesmo tempo em que centenas de banhistas estão registrando os mesmos instantes com seus celulares. Mas é exatamente nesse lugar “comum” a todos que Analize cunha seu processo poético, reafirmando a necessidade de aproximação da arte com o público. É nessa paisagem cotidiana, inserida no imaginário carioca, que o observador identifica o local como objeto imóvel, passando a experienciar a singularidade cromática de cada momento, cuidadosamente captado pela artista. E é ainda nesse espaço-tempo “de todos” que a particularidade do trabalho de Analize persegue a luminosidade criadora de reflexos e texturas que, por vezes, transformam a circunstância em uma quase abstração.
No célebre ensaio A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, ao abordar o desaparecimento da “aura” na arte com o advento da cópia, Walter Benjamin aponta que “fazer as coisas se aproximarem de nós, ou antes, das massas, é uma tendência tão apaixonada do homem contemporâneo quanto a superação do caráter único da situação de cada reprodução. A cada dia torna-se mais irresistível a necessidade de possuir o objeto de tão perto quanto possível, na imagem, ou melhor, na cópia.” A preocupação de Benjamin, nos anos 1930, referia-se às reproduções fotográficas e gráficas, e ao cinema, constitutivos da vida urbana moderna de seu tempo. O filósofo ainda não poderia cogitar o caráter frenético da reprodutibilidade digital do século XXI, onde não só há a possibilidade de termos as imagens literalmente em nossas mãos, como os recursos para manipulá-las, criando nossas próprias verdades. Neste aspecto, o trabalho de Analize parece resgatar algum resquício de aura ao desenvolver minucioso processo técnico no ato de fotografar em si, quando despreza, de certa forma, recursos tecnológicos da câmera. Assim como quando opta pelo não tratamento das imagens, derrubando barreiras técnicas, para que a impressão das imagens atinja o resultado fidedigno de reprodução das tonalidades visualizadas. Transforma a fotografia num mero meio de materialização da vivência do olhar.
O poema, citado na epígrafe deste texto, seria ainda mais encantador se o poeta Charles Baudelaire tivesse conhecido a Praia do Leblon. Traduziria em palavras a pujança do nosso crepúsculo com a maestria de quem identificou “o prazer efêmero da circunstância” na modernidade europeia, em meados do século XIX. Nos tempos obscuros atuais, em que a cidade expõe suas chagas, o convite de Analize vem balsamizar afetivamente dores urbanas. Na ação da contemplação, que é ao mesmo tempo coletiva e profundamente particular, a visualidade do belo nos proporciona sonhar com a fugacidade daqueles poucos instantes de luzes e cores que rasgam o firmamento, mesmo sabendo que tudo será rapidamente desvanecido pela noite.
Valesca Veiga*
*Valesca Veiga é mestre em História Social da Cultura, na linha de pesquisa de História da Arte e da Arquitetura, pela PUC-Rio, e editora da revista online de artes visuais o fermento.
1. BAUDELAIRE, Charles. Pequenos poemas em prosa (Le spleen de Paris). Crepúsculo da noite, s.d. Publicação pós-morten de 1869. Editora Nova Fronteira, 1980.